Narrativas e madrugadas
Dizem que ela, antes que pudesse perceber, alongava conversas durante a madrugada falando de divisão celular, explicando situações e motivos para compreender aquilo que a encantava. Em outros momentos, devaneava sobre idealizações futurísticas de Asimov, suas problematizações acerca de como a sociedade leria cada vez menos e automatizaria o aprendizado (como o primeiro conto de os Nove Amanhãs), ou como as previsões da psicologia estatística se vinculam ao período histórico em que foram escritas, sorrindo sem querer entre os devaneios e mostrando seu lado mais incontidamente nerd.
Ao que o garoto replicava, após escutar em silêncio os devaneios da menina, várias vezes: você é a pessoa mais nerd que eu conheço! E ele? Quando falava, interrompia a narrativa para respirar – pois ele, ao falar de si, sempre prendia a respiração e ficava levemente ofegante. Marcas de uma ansiedade rodeada de pensamentos constantes – eu penso demais, costuma afirmar como mantra. Em conversas madrugada a dentro, cita leituras da dramaturgia mais desconhecida (para a garota, claro…), explica as relações políticas, construções das personagens, esse mundo que é distante e, ao mesmo tempo, tão comum e bonito. Entremeado de suas histórias, cita Clarice, de forma simples – como se simples fosse: A grande tarefa é ir até o fim.
Cada um tem o inesperado que merece – isso ambos sabiam…