Sobre a dona dos escritos
Quem a vê sentada observando, o que pensa?
Ela gosta de detalhes… Atenta-se a cada um deles
Como quem devora um sorvete de baunilha delicioso
(Mas ela não gosta de sorvete de baunilha…)
Do que ela gosta? O que saboreia? E como? O que a satisfaz?
Descrever os detalhes demoradamente, com um sorriso safado no rosto,
Como chega? Caminha? Sorri? Olha? Aproxima? (Sorriu de novo?) Toca? Beija? Vai embora?
Ela para e relembra o que viu, sentiu, gostou, gozou, amou, espreguiçou, gargalhou, cansou.
(e se desorienta de novo e de novo e de novo). E escreve…
Um punhado de bom humor, tantinho de encantamento e de boas palavras.
Encadeadas, lidas, relidas, pensadas. E agora? Para. Para e lê.
Para e lê em voz alta. Pensa, pensa, pensa.
Volta, lê novamente, enquanto relembra as cenas, as ideias, as vontades
Essa moça parece (in)segura, talvez para quem olhe de fora, pareça um pouco boba até
Escrevendo poesias e poesias, “seria isso um risco? Seria uma exposição sem sentido?”.
E lá faz sentido guardar tudo isso dentro de ti, menina? Medo de quê?
Ah! Sim, ela nunca sabe o que pensam ou sentem sobre os escritos…
Ou, melhor, sobre quem fez os escritos. Nunca se sabe menina! Nunca se sabe…
No fundo talvez nem interesse. Se o sentir vem e gosta de repousar nas palavras: escreva!
Se por amor, paixão, tesão, cansaço ou vontade de repetição, não importa: escreva!
De qualquer modo, fingindo segurança, ela sempre remete (toda a vez) as palavras ao dono dos detalhes.
Não ao dono dos escritos. Ela gosta de pensar que é dona dos escritos (mas sabe que não é bem assim)
Ela é dona, sim, das próprias vontades… Vontades? Muitas, múltiplas, esperando, cada uma, seu escrito!
Vontade: do sabor, dos momentos, da saliva, dos beijos, do olhar, daquele braço forte, daquela gordurinha lateral, do cafuné (des)pretensioso, do carinho intencional, do suor, da tensão, da intenção de gostar, do sorriso.
Do sorriso? Não, não! Do sorriso não.
Do sorriso ela não é dona da vontade. Todo o resto ela disfarça.
Mas o sorriso? Ah! Esse ela só se entrega. Toda a vez. Sempre começa no sorriso.