A menina escreve
A menina escreve, escreve, escreve.
Sente muito, sente mal
Sente alívio, tristeza, leveza
Sente tudo, sente e só
O que pode fazer, senão fazer
Aquilo que sabe, pensa, sente, rumina, transborda?
O que pode senão exaurir a fala,
até que a palavra se canse,
ou o leitor a abandone?
O que fazer, então, senão
Escrever mais, ler mais,
Exaurir mais?
E sabes fazer outra coisa, Aninha?
E gostas de fazer algo mais?
E queres fazer outra coisa, menina?
Vomito letras, até formar a palavra
Abomino-as, às vezes…
Não se bastam sozinhas
Não se bastam sem endereço
Vem ao papel e remeto ao dono
As palavras não são minhas.
Nunca foram, nunca quiseram ser.
Saem de mim às pressas
Correm pelas mãos,
Impelem-me à tortura contínua
De apresentar o pensamento
E impregnar o papel
Com gana
Com força
Sem pudor
Nem razão.
Me deixam desnuda
De clareza, de sentido
De simplicidade
Resta só
Confusão.
Sempre
Eu,
sempre
Só
confusão.