Em um dado momento da vida, com um amigo tomando café nessas cafeterias charmosas e pequenas em ruas silenciosas, escutei:
– eu me casei cedo, eu tenho inveja de tua vida as vezes, sempre só com uma escova de dentes no banheiro… Essa liberdade e libertinagem parecem tão boas!
Ao que respondi:
– minha vida não é simples, e várias vezes invejo quem tem duas escovas de dentes no banheiro… Sábados à tarde… São momentos ruins de sermos solteiras.
Isso faz, mais ou menos, dois anos. A minha teoria dos sábados à tarde segue valendo…
Hoje, este tema veio à tona de outra forma, sobre ter aquela vida perfeita de “propaganda de margarina”, saca? Eu sei que sacas, sim. Crianças felizes, casal sorrindo, vida cheia de amor, contas pagas… Como não olhar isso e não acreditar na felicidade?
Bom… A questão é que “objetivos de vida” são insaciáveis! Se movem constantemente, trocam de lugar no menor sinal de calmaria. Isso, de forma alguma, é ruim! Só mostra que estamos vivos, que gostamos de novos olhares e perspectivas (e isso não é largar o que temos, mas alargar horizontes, experiências, cotidiano…).
Ao chegarmos em uma certa idade (sim, este é um daqueles textos que pensa sobre as crises de 40 anos…), temos diferentes momentos, quando solteiras, pensamos na vida idealizada e feliz de casal; quando casal, pensamos na libertinagem da solteirice.
Sinceramente, eu (39 anos, solteira, vadia assumida e feliz) fico pensando na história da escova de dentes no banheiro, da cueca no armário… Admito que mesmo quando estou apaixonada e envolvida com alguém, tenho resistências incríveis ao compartilhamento de espaço da minha casa e/ou armário (admito que entrei em pânico há um tempo atrás ao me deparar com objetos assim na minha casa). A incoerência destes sentimentos (estar apaixonada, querer conviver e compartilhar a vida, mas não querer escova de dentes no mesmo armário, da mesma casa – para ilustrar: a cueca deve sair da tua mochila e ir para nossa gaveta? Será que falar disso é necessário? Em que momento? É possível estar apaixonada, querer compartilhar e não querer cueca na gaveta da nossa casa?), a convivência com pessoas que têm outros estilos de vida (como casais, com relacionamentos abertos ou não, com filhos, sem filhos…), sempre me faz pensar que toda idealização é tola e perigosa, diminui o que temos e conquistamos em nossa vida.
De qualquer forma, como alguém que já teve relacionamentos longos, também me pego pensando se (hoje) me serve o modelo que nos faz sentir aprisionados. Eu gosto da minha liberdade. Gosto de fazer planos e não comunicar muito as pessoas. Paradoxalmente, em relações felizes, nunca me senti sem liberdade, e comunicar o parceiro de planos era mais vinculado à ideia de incluir (não necessariamente com a participação do cara nos planos, mas incluir na vida mesmo, saca?) do que de dar satisfação.
Sei lá… Centralidades e neura de rótulos, gente que precisa apontar e dizer: que és desse ou daquele sujeito, que as relações devem ser deste ou daquele jeito, que amor mesmo é comportar-se assim ou assado… Essas assertivas, penso eu, vem com toda sorte de culpas que sentimos dentro dessas relações – sejam elas quais forem!
Rótulos, definições, objetivos fixos (e alcançados) de vida… Como não nos sentirmos cerceados por nós mesmos assim? Mobilidade, inconformidade (no sentido de não se permitir acomodar), sagacidade e disponibilidade para o novo (sem abandono do que temos, necessariamente) parece ser um jeitinho interessante de viver… O desapego – tão ovacionado e julgado na vida contemporânea – deve ser daquilo que nos atrasa e prende na vida!
Ah! A vida… recheada de deliciosas crises que bagunçam cada segundo de certezas estapafúrdias! Eu, por mim, venho tentando aceitar a inexatidão e o acaso, o sorriso e o amor, a liberdade e sua bagunça, o companheirismo e suas declarações sinceras!
*[E peço a ti, que chegou até este ponto do texto, que aceite a inabilidade desta moça em finalizar o texto, pois as palavras me fogem pelo excesso de zelo com a construção exata das frases e incoerência exacerbada na vontade de viver… Demasiadas: minhas crises, essas lindas! Que venha os 40…]