Dos murros e das facas (ou das solidões coletivas)
Somos murro e somos faca
Somos indiferença
Pelos corpos arrastados
Achamos pouco, achamos justo
Insulto com assalto em nossa casa
Insulto, mas não com descaso
Nem desleixo
Do corpo maltratado
Me insulto
É de ver e sentir a vida
Crueza cotidiana
Com cor, pele e asfalto
Sou berro sem voz
Sou tristeza e pesar
De ver, sem sentir
Por ser murro e ser faca
Protegida
Da pele rasgada
Do pranto jorrado
Nas favelas
Nas misérias
Na bala, no sangue
Na luta de todos
Todos? Não eu…
Pois eu (nós)
Somos murro em ponta de faca
Esquecemos é que somos pouco murro
Afiamos e somos muito é a faca
Que corta, que deixa, que fura
Dilacera
A cor, a pele no asfalto
Somos faca
Que permite e acha
Que é pouco, que é justo
Com gana, temor e caos
Seguimos achando que somos
Mais murro do que faca
Que levamos mais peso e ferro
Do que leveza e boa vida…
Seguimos na certeza
De que não se envolver
É não optar pelo lado
Que dá o murro, a facadas
E deixa
A cor, a pele, o sangue no asfalto
Jorrando, jogado, maltratado
Achando pouco, achando nada
E chorando o assalto
Do relógio, do telefone, dos pilas
Desdenhando, justificando
O sangue, pelo pouco, pela vida
Que não é nossa
Sou murro em ponta de faca
Sou murro e sou faca
Sou murro, Sou fraca
Quando só
E tu? Queres ser só, comigo?
Ou só faca, com outros?
*Inspirado nas violências cotidianamente registradas, noticiadas, dilaceradas que deixam sangue no asfalto – não o nosso, que somos murro e faca – mas de quem leva o murro e a faca. Cansada de ver gente que acha pouco, diz não ser político e, por isso, opta por seguir ignorando a faca que é, por achar que dá murro demais. Cansada de ver e pouco fazer. Cansada de se dizer humana*