o corpo
Não anda assim, vais despertar atenção!
Não veste desse jeito, nem parece menina!
Fecha as pernas, senta direito!
Fala baixo!
Olha lá, já tem peitinho, usa sutiã, senão vão perceber…
Fica feio assim.
Usa a roupa desse jeito, senão vão notar as gordurinhas.
Te comporta.
Te preserva.
Onde já se viu mulher fazendo/ agindo/sentando/vestindo assim?
Que comida boa hein? Já pode casar.
Tá namorando? O casamento sai quando?
Já casou? E quando vem os filhos?
Separou? E os namoradinhos?
E essa foto aí? Tá saliente ela…
Te valoriza! Estudou tanto e agora só quer se mostrar, o que vão pensar de ti? Vais ficar falada!
Como se o corpo fosse tudo.
Pois é. O corpo. Ele é tudo. Tudo o que se busca cercear, controlar, desaparecer: toda a nossa vida.
É uma vida submetendo, escamoteando, escondendo o que somos, como somos: forma, teor, suor, deleite. E no fim? Não basta. Nunca basta.
Uma vida inteira cerceando e aprendendo que NÃO. Não pode ter, curtir, amar, deliciar: a si mesma.
É preciso romper mil assertivas com uma só lógica: não pode; ou até pode, mas não deveria poder…
Incomoda a mulher que se mostra, se conhece, se ama o suficiente. Incomoda cada busca por assertivas de amor próprio, sim! Do próprio corpo e tudo o que ele é, tudo o que nós, mulheres, somos. Para nós mesmas. Incomoda se assumir, com cada ruga, cada tristeza, cada ternura, prazer, lutas e lutos. Cada livro lido, cada entrelinha marcada, cada debate travado: na ciência, no bar, no trabalho, na família, com amigos, no meio da rua, na cama, nua.
O corpo, nosso corpo, é tudo pelo que lutamos. Todos os dias.
